Muitas vezes, perdemo-nos na periferia do problema e não entramos na sua essência; a árvore não nos deixa ver a floresta; o fundamental, o indispensável, o necessário fica oculto, ocasional ou intencionalmente, por um ou outro aspecto de pormenor, passageiro, sem importância; o centro fica oculto pelas orlas.
Numa conversa entre dois presos, um deles justificava estar ali pelo facto de a bateria do carro ter perdido a carga e não ter feito o arranque do motor. Mas isso não era motivo para ter sido preso. Pois, mas chegou o polícia. Mas isso também não justificava. Ao fim deste diálogo, ele explicou que tinha saído de uma loja de telemóveis às três da manhã e, quando quis fugir do polícia, o carro não pegou.
Um autarca, bem posicionado no seu partido, explicou uma irregularidade dizendo que houve uma fuga de informação seguida de títulos de caixa alta exagerados, tudo inserido numa conspiração para abater o presidente da Câmara, resumindo-se a gestos desproporcionados face a umas pequenas falhas administrativas. Tal como no caso do preso, não houve a sinceridade de apontar frontalmente a infracção, as tais falhas administrativas.
Quando um condutor é detido pela polícia, a notícia diz que foi detido «por ter sido detectado» com alto grau de alcoolemia ou em alta velocidade. Transfere-se a causa da detenção do acto de ter cometido uma infracção, para o azar de «ter sido apanhado» em falta. Isto é um hino laudatório aos criminosos espertos que infringem mas não são apanhados. É como o caso do tribunal que considerou não haver crime de tráfico de droga porque, embora este tivesse sido comprovado iniludivelmente, as provas mais convincentes assentavam em escutas não autorizadas, portanto inválidas. E deixou de haver crime!
Também os crimes por cheque sem provisão passaram a ser em menor quantidade por o Governo ter decretado que apenas seria crime acima de um valor muito mais alto. No mesmo sentido, no caso da não publicação dos contratos dos assessores e consultores, muito criticado e depois alterado, não foi abordado de frente, não mostrando que o Governo pretendia considerar o País como uma pequena quinta dos governantes, gastando o dinheiro dos contribuintes, nas costas destes, sem a mínima transparência, em benefício dos «boys» e «girls» de confiança política dos detentores do Poder, esquecendo estes que o essencial da sua missão, como delegados do povo - a real sede da soberania - não lhes permite colocar os interesses pessoais e partidários acima de tudo e de todos, mas sim, zelar pelo bem-estar e qualidade de vida, de forma sustentada, da generalidade dos cidadãos.
Neste momento, trava-se num grande partido da oposição uma luta para escolher o futuro líder. Seria de esperar que nos debates e na propaganda divulgada o povo fosse informado sobre os projectos que cada um tem para desenvolver Portugal e melhorar as condições de vida dos cidadãos. Mas não chegam a esse grau de elevação, começando por se maltratarem mutuamente e reafirmando repetidamente que o actual governo governa mal. Não desvendam o que pretendem fazer de melhor se o povo os escolher nas próximas legislativas. O povo terá de escolher apenas sob o efeito das promessas (habitualmente enganosas) da campanha eleitoral. Mas a realidade é que o essencial, segundo os melhores pensadores, será fazer uma alteração profunda no funcionamento da democracia, por forma que o executivo seja devidamente controlado, para não se desviar dos interesses nacionais e da vontade legítima do povo soberano. Será o combate à corrupção, a fim de a máquina administrativa funcionar mais ligeira e com menos custos, etc. No entanto, discutir o essencial, não lhes interessa.
Essa essência do problema fica oculta pela fumaça periférica, ocasional e volátil e iremos continuar com a competição pelas cadeiras onde tudo continuará mais ou menos na mesma, com os mesmos sacrifícios exigidos aos que nada podem fazer senão pagar sem refilar. Porém, este desprezo do essencial, dos objectivos e dos interesses nacionais, sobrepondo-lhe aspectos secundários, está a ser posto em prática com exagerada frequência, tornando-se conveniente inverter tal tendência a fim de o País poder recuperar da actual crise de valores e atingir um nível consentâneo com a sua qualidade de membro da UE.
Neste blog e noutros sites do autor poderá prever o futuro do país tal como o presente foi previsto e publicado desde fins da década de 1980. Não é adivinhação, é o que nos outros países há muito se conhece e cá se negam em aceitar. Foi a incredulidade nacional suicidária que deu aos portugueses de hoje o renome de estúpidos e atrasados mentais que defendem os seus algozes sacrificando-se-lhes com as suas famílias. Aconteceu na Grécia, acontece cá e poderá acontecer em qualquer outro país.
Freedom of expression is a fundamental human right. It is one of the most precious of all rights. We should fight to protect it.
21 de setembro de 2007
O essencial e o marginal
Autor: A. João Soares às 17:37
Tópicos: Essencial, Incapacidade, Secundário, Tibieza
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